quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Africanidades

Esclarecendo significados e definindo
        A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia. Possivelmente, alguns pensem: Realmente, é verdade o que vem de ser dito, pois todos nós comemos feijoada, cantamos e dançamos samba e alguns frequentamos academia de capoeira. E isto, sem dúvidas, é influência africana.
       De fato o é, mas há que completar o pensamento, vislumbrando os múltiplos significados que impregnam cada uma destas manifestações. Feijoada, samba, capoeira resultaram de criações dos africanos que vieram escravizados para o Brasil e de seus descendentes e representam formas encontradas para sobreviver, para expressar um jeito de construir a vida, de senti-la, de vivê-la. Assim, uma receita de feijoada, de vatapá ou de qualquer outro prato contém mais do que a combinação de ingredientes: é o retrato de busca de soluções para manutenção da vida física, de lembrança dos sabores da terra de origem. A capoeira, hoje um jogo que promove o equilíbrio do corpo e do espírito pelo seu cultivo, nasceu como instrumento de combate, de defesa.

  •         Africanidades brasileiras, pois, ultrapassam os dados ou o evento material, como um prato de sarapatel, uma apresentação de rap. Elas se constituem nos processos que geraram tais dados e eventos, hoje incorporados pela sociedade brasileira. Elas se constituem também dos valores que motivaram quais processos e deles resultaram. Então, estudar Africanidades Brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por sua dignidade, próprio dos descendentes de africanos que, ao participar da construção da nação brasileira, vão deixando nos outros grupos étnicos com que convivem suas influências, e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as daqueles. Com que finalidades estudar Africanidades Brasileiras? Muitas são as finalidades por que devemos incluir Africanidades Brasileiras no currículo escolar. Por exemplo:
  • ensinar e aprender como os descendentes de africanos vêm, nos mais de quinhentos anos de Brasil, construindo suas vidas e suas histórias, no interior do seu grupo étnico e no convívio com outros grupos;
  • conhecer e aprender a respeitar as expressões culturais negras que compõem a história e a vida de nosso país, mas, no entanto, são pouco valorizadas;
  • compreender e respeitar diferentes modos de ser, viver, conviver e pensar;
  • discutir as relações étnicas, no Brasil, e analisar a perversidade da assim designada
  • Democracia Racial:

  • refazer concepções relativas à população negra, forjadas com base em preconceitos.
  • ajudar os alunos a compreender que ninguém constrói sozinho as concepções a respeito de fatos, fenômenos, pessoas; que as concepções resultam do que ouvimos outras pessoas dizerem, resultam também de nossas observações e estudos;
  • lançar desafios para que seus alunos ampliem e/ou reformulem suas concepções prévias, incentivando-os a pesquisar, debater, trocar idéias, argumentando com idéias e dados;
  • incentivar a observação da vida cotidiana, observações no contexto da sala de aula, a elaboração de conclusões, a comparação entre concepções construídas tanto a partir do senso comum como a partir do estudo sistemático.

História (Disciplina de História)
        A História do Brasil, enquanto construção de uma nação, inclui todos os povos que a constituem. Assim, ignorar a história dos povos indígenas, do povo negro é estudar de forma incompleta a história brasileira. Por exemplo, o professor que trabalha na perspectiva das Africanidades Brasileiras não omitirá, ao tratar da fundação de Laguna, em Santa Catarina, que, conforme registra Cláudio Moreira Bento em O Negro, a expedição que lá se instalou em 1648 era formada, em 70%, por homens negros escravizados. Ao referir a fundação da Colônia de Sacramento, não esquecerá de fazer saber que, além dos escravos, a tropa fundadora contava com soldados negros. Se a história ensinada na escola souber contemplar, também, a vida vivida no dia-a-dia, pelos grupos menosprezados pela sociedade, então estaremos ensinando-aprendendo a história brasileira integralmente realizada. Conforme o entendimento de Gigante, a valorização da história dos grupos populares, registrando o que em suas memórias está guardado de suas experiências, é tarefa que pode ser realizada por professores e alunos, a partir da comunidade em que a escola está inserida. Desta forma, pondera o autor, todos os que constroem o Brasil estarão presentes nos conteúdos escolares.




BIBLIOGRAFIA
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Porto: Paisagem, s. d.
GIGANTE, H. História, memória e cotidiano nas primeiras séries do primeiro
grau. Dissertação. (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação.
Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, 1993.
GERBES, Paulus. Vivendo a Matemática – desenhos da África. São Paulo:
Scipione, 1993.
LOPES, H. T. 500 anos de cultura e evangelização brancas do ponto de vista
das religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro, 1990. (Texto datilografado).
MOURA, C. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988.
PALMARES DO SUL. Secretaria Municipal de Educação. Escola Municipal
de 1o Grau Incompleto Cândido Osório da Rosa. Histórias do Limoeiro.
Palmares do Sul, 1986.
SCHENETZIER, R. P. Do ensino como transmissor para um ensino como
mudança conceitual nos alunos: um processo (e um desafio) para a formação
de professores de Química. Cadernos ANPED, n. 6, p. 55-89, out. 1994.
SILVA, P. B. G. e. Africanidades: como valorizar as raízes afro nas propostas
pedagógicas. Revista do Professor, Porto Alegre, v. 11, n. 44, p. 29-30,
out./dez. 1995.
SOUZA, N. S. Tornar-se negro. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

Um comentário:

  1. É isso aí, seu texto é uma verdadeira aula de História. É assim que precisamos tratar a História, com realidade. Parabéns!

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Antonio